terça-feira, 14 de agosto de 2007

Observando as formigas

Adélia Prado

Na adolescência, não saía da casa de Dona Alzira Guimarães, professora e mãe de minha amiga Diva, colega de escola. Entre os muitos encantos de sua casa, estava o de um guarda-louça abarrotado de livros. Morávamos muito perto, o que facilitava minhas idas à “biblioteca”. Tirei de lá, certamente, depois de ler todos os romances de M. Delly, uma revista chamada Kriterion, que me deixou fascinada. Estavam ali discutidas coisas que não entendia muito, mas o bastante para me abrir o apetite à cata de mais e mais. Foi como descobrir no quintal uma mina de ouro. Pois não eram meus aqueles pensamentos? Ainda por cima, davam sentido, fundamento e justificativa a gostos muito particulares e criticados que eu tinha de ficar “pensando”, e até dormindo às vezes, debaixo de um maravilhoso pé de abacate-manteiga. Descobri que as instigantes inquietações da minha cabeça eram normais, gente antiqüíssima, de antes de Cristo, se ocupava dos mesmos assuntos, especulando com nomes e expressões formidáveis, como ente, essência, matéria e forma, coisas e conceitos, primeiro motor, o ser, cuja essência é sua própria existência, o ser por excelência e mais: - oh, presente do céu – estavam lá santos da minha igreja, São Tomás de Aquino, Santo Agostinho, frades que, enquanto perseguiam a santidade, brigavam ou dialogavam com Platão e Aristóteles, filósofo que amei primeiro e deixei pra me casar com Platão, apesar dele falar mal dos poetas, o que pode ser um mal-entendido, impossível de desvendar pessoalmente, pois não sei grego. Tirava o fôlego de tão bom. Era como olhar formigas e de repente descobri: formiga é para sempre. Um gozo sensorial que se confundia bastante com o calor que me provocava o olhar dos moços sobre minha verde pessoa. Muitíssimo parecido com o sentimento despertado à leitura dos versos de Alphonsus de Guimaraens: “O cinamomo floresce em frente do teu postigo...” Maravilhoso! Eu já escrevia versos e eles brotavam, nunca tive dúvidas, daquele mesmo lugar de onde os filósofos garimpavam seus solilóquios. Havia uma unidade segurando minha experiência no mundo, que se revelava não apenas na teologia que explica minha fé. Mostrava-se igualmente na poesia e na filosofia, que eram coisas de Deus. Minha felicidade foi enorme. Alimentei-me desta certeza, até que em 1965 criou-se em Divinópolis-MG, minha cidade, a Faculdade de Filosofia. Estudei com gosto, sofreguidão e proveito as matérias do curso. Certifiquei-me de que a Filosofia escova o pensamento, que todo mundo filosofa naturalmente, que é um horror todas, absolutamente todas, as Faculdades não serem basicamente de Filosofia, podada em nossas escolas, prescindem delas, como obras do espírito, braços de um mesmo rio de nascente profunda. Tendem à misteriosa força que as cria e chama de volta ao seu centro divino, ao magnífico caos de onde emerge a sintaxe, ordenando pensamento e verso. Poesia e Metafísica, códigos, pulsações do que por enquanto não se vê face a face e nos enche de maravilha e temor.



PUCHEU, Alberto (org.), Poesia (e) Filosofia

Um comentário:

. de elásticos e sonhos; disse...

acabei por te encontra aqui tbm :)
estou te adicionando querida ;)
adorei as cores, e os poemas aqui postados;
venho aprendendo muito com o Marcel sobre obras literarias, e estou me inundando mais ainda nesse maravilhoso mundo das poesias,
ando muito inspirado e pretendo postar alguns poemas de minha autoria;

Tenha uma iluminada Quarta feira ;*